sexta-feira, 1 de abril de 2011

"Estamos a viver um filme de terror em que o drácula culpa a vítima"

No dia em que os juros da dívida pública quase chegaram aos 10% nos títulos a cinco anos, já nos apercebemos que a questão da vinda do FMI não é "se", mas "quando" chega. Aqui está o comentário do Doutor Luís Campos e Cunha, o 1.º Ministro das Finanças do 1.º Governo de Sócrates, que se demitiu por discordar com os projectos de Grandes Obras Públicas, que o Executivo tinha intenção de levar avante.


Campos e Cunha, antigo ministro das Finanças de José Sócrates, diz que "esta crise governamental foi desejada e planeada pelo Governo".

O professor universitário escreve hoje no Público que "há várias semanas que o Governo adivinhava o final desta semana e antecipou-se".

Diz Campos e Cunha que "como o Governo sabia antecipadamente o que iria acontecer às contas de 2010 e quis precipitar a crise antes do descalabro final; assim, negociou e ajustou um conjunto de medidas (vulgo PEC-4) apenas e só com os nossos parceiros europeus. Nesse pacote estava tudo o que o PSD tinha vetado em negociações anteriores (PEC-2 e PEC-3). Apresentou essas medidas, num primeiro momento, como inegociáveis. O PSD, orgulhoso da sua posição disse um "não" também inegociável. No dia seguinte, o Governo, dando o dito por não dito, afirmou-se disposto a negociar. Mas o PSD caiu que nem um patinho e o Governo caiu como o próprio queria e planeou".

A partir de agora, continua Campos e Cunha, para Sócrates as culpas são do PSD: "A queda brutal dos ratings, a subidas das taxas de juro, o descalabro das contas públicas serão tudo culpa do PSD (...) que vai passar o tempo a justificar-se, ou seja, perdeu a discussão. Pode não ter perdido as eleições, a ver vamos, mas pode perder a maioria absoluta".

Para o antigo ministro de Sócrates, "estamos a viver um filme de terror em que o drácula culpa a vítima de lhe sugar o sangue. Estamos a viver o malbaratar dos dinheiros públicos durante muitos anos, com especial relevância nos últimos cinco. Estamos a sofrer as consequências da dita política keynesiana de 2009 que teria permitido que a recessão fosse apenas de 2,6%. Muitos defenderam tal irracionalidade, mas também houve quem chamasse a atenção da idiotia de tal abordagem numa pequena economia, sem moeda própria e sem fronteiras económicas".

"A situação económico-financeira é de tal descalabro que não pode haver eleições antecipadas sem haver uma crise política, económica e financeira de acordo com vários ministros, começando pelo primeiro. É a constituição e a democracia que está em causa", alerta o mesmo responsável.

Campos e Cunha deixa um alerta aos portugueses: "tudo isto tem um rosto e um primeiro responsável. Lembrem-se disto no dia do voto e não faltem, nem que seja para votar em branco", conclui.

Retirado do Diário Económico

sexta-feira, 25 de março de 2011

Contrastes Representantes/Representados

Numa altura decisiva para Portugal os protagonistas políticos não estão à altura e demonstraram 4.ª feira que o que os move não é, certamente, o interesse nacional.



O meu objectivo com o post anterior era salientar a importância que a confiança tinha nas pessoas (de facto, não são apenas os mercados que exigem confiança, mas as pessoas precisam ainda mais dela). Num momento de crise grave, por que Portugal atravessa, verificamos que os políticos não estão à altura. As pessoas não olham actualmente para nenhuma instituição da vida política com confiança. Há muito que o Executivo perdera confiança com várias contradições. No dia de ontem houve mais uma: Bruxelas tem dúvidas acerca do valor real do défice português de 2010 (sendo certo, porém, que o défice real, contabilizado com todas as empresas participadas do Estado, é muito superior a 8%, valor que Bruxelas pensa que terá sido o nosso défice no ano passado). Além do Executivo, também a Assembleia da República não é respeitada por aqueles que deviam ser nossos representantes e se aproveitam dos lugares que ocupam, não para defender o interesse nacional, mas para fazer um triste espectáculo de campo de batalha. Contrariamente, a Presidência da República parece mostrar algum alento nos portugueses, muito embora o seu poder, embora decisivo nalgumas situações, não seja perceptível noutras. Confiança. É este o predicado que os representados exigem aos seus representantes e a quem os governa. Um “contrato social” tem de pressupor que a verdade é dita e que as pessoas, conhecedoras das propostas, avaliá-las-ão, tendo em vista o melhor para o interesse nacional (a tal vontade de todos, que era racionalizada, de acordo com Rousseau). O Parlamento seria, assim, a Casa da Democracia, “um pequeno mapa, que representava a Nação”. Infelizmente não é desta forma idílica que hoje encaramos o Parlamento e o dia de 4.ª feira foi mais um em que pudemos comprovar que os partidos políticos não estão, efectivamente, comprometidos exaustivamente com Portugal. Desde o dia 27 de Setembro de 2009 que os partidos estão interessados em novas eleições. Primeiro houve conflitos internos dentro do maior partido da oposição e, de acordo em acordo, uma coisa era certa: alguém ia pisar o pé a alguém, ou alguém fingiria ser pisado durante a dança do tango. É com muito desagrado que vejo que, uma vez mais, os nossos dirigentes não se mostram capazes de nos liderar. Se me perguntassem se nutria simpatia ou, mais importante, se considerava que o nosso Primeiro-Ministro era uma pessoa capaz, eu responderia negativamente, no entanto, discordo em absoluto com o que aconteceu na Assembleia da República. Reforçava eu que nós estamos a passar por várias crises, há muito tempo, que há muito tempo que todos estão distraídos a jogar jogos de poder, contudo seria altura de ultrapassarmos uma fase difícil. Como? Através da união e confiança. Não foi isso que aconteceu. Sócrates negociou um (novo) plano de austeridade (o que, mais uma vez reforça que não havia um plano a longo prazo para o país) com a Comissão e com a Chanceler Alemã, sem fazer esforços de negociação cá dentro. Os partidos da oposição aproveitaram a deixa e votaram no Parlamento o fim deste novo PEC. Todavia, este não é verdadeiramente “um adeus, mas antes um até já”, porque, sejamos sinceros, todos já percebemos que não há coragem política de nenhum partido do arco da governação de fazer reformas estruturais importantes, acabando com situações de privilégios injustificados. Falo, entre outras coisas, das celebérrimas parcerias público-privadas. Desta forma, a única solução é atacar os anónimos, aqueles cujos gritos se podem ouvir na rua, em manifestações algumas vezes no ano, mas que (e que estranho que é!) raramente fazem cair um Governo (embora quando o fazem essa queda marque o fim de um ciclo ou Regime), ao contrário de outros tantos interesses escondidos (falo, evidentemente dos grupos de pressão) que influenciam decisivamente a actuação de um qualquer Governo, de modo que este, se atentar nos seus privilégios cai. Daí que o PEC 4 seja um “até já”. Não tenho dúvidas que haverá redução das pensões, despedimentos mais fáceis, com indemnizações mais baixas. Tenho dúvidas que desta forma se verifique um saneamento da crise. Pelo contrário será natural que o se dê um maior potenciamento. Infelizmente, vejo que não tenho políticos capazes de exercer responsavelmente as suas funções. Como salientava, o nosso Primeiro-Ministro não é competente, mas a verdade é que eleições, neste momento, não são a melhor solução, precisamente porque nada vai mudar no panorama nacional. Tenho noção que estou pessimista, mas não vejo no horizonte possibilidades que me animem. Não sei, se houver eleições (algo que não me agrada) quem as vencerá, mas não há dúvidas que o partido que as vencer não terá maioria absoluta. Ora, sendo os protagonistas os mesmos irresponsáveis dificilmente se entenderão. Tudo estaria muito bem, não fosse o país estar em jogo. A conclusão que consigo tirar é que estamos a seguir um caminho muito perigoso. A irresponsabilidade, a prazo, tem custos muito elevados. Verifico, hoje, que temos um Primeiro-Ministro que potenciou uma demissão e um Parlamento que aproveitou a deixa. Questão: Sendo os protagonistas os mesmos, como é possível gerar-se confiança nas pessoas? Como é possível unirem-se para ultrapassarem a crise? O meu desejo era que, verdadeiramente, o interesse nacional imperasse e os actos de amor à Democracia não se ficassem pelas palavras. Essas também a 1.ª República as tinha.

Nota final:
Hoje a SIC entrevistou pessoas pelo país, de modo a tentar aferir acerca da sua percepção sobre estes acontecimentos. A maior parte das pessoas referiu precisamente um descrédito total, havendo, inclusivamente, quem pedisse já a intervenção de um Salazar. É, definitivamente, caso para os políticos porem as mãos na consciência.





sábado, 12 de março de 2011

Sócrates não pode compreender o que diz compreender

«Confiança s.f. (…) 2 segurança de alguém que crê em alguém ou alguma coisa; certeza; 3 crédito; 4 ânimo …» (de acordo com o "Dicionário da Língua Portuguesa 2004", da Porto Editora)



Se há palavra cujo significado conhecemos bem é “crise”. É certo que para os chineses, crise é sinónimo de desafio e oportunidade, contudo a conclusão a que eu chego é que não temos tido, na última década, políticos capazes de ultrapassarem desafios e criarem novas oportunidades. Por outras palavras, não temos pessoas a quem reconheçamos crédito, ou confiança. A crise está a afundar-nos, com um crescimento económico diminuto e uma quebra clara do bem-estar da população e da sua qualidade de vida. Não me refiro unicamente ao SNS, ao sistema de ensino, ou às condições laborais, embora hoje me debruce mais sobre os protestos da “Geração à Rasca”.
O Financial Times de hoje publicou uma reportagem sobre os protestos que o nosso país atravessa, fruto do descontentamento que se está a gerar. São referidas as canções (que alguns apelidam de “hinos de uma geração”) “Que Parva que Sou” e “A Luta é Alegria”. O artigo retrata a situação actualmente vivida, com o desemprego acentuado (entre os recém-licenciados e mestres, até aos 24 anos, a taxa é de 30%), a falta de expectativas, a falta de confiança. Há um anónimo que refere «My generation have bought their houses and their cars, but our comfort is depriving young people of their future.». Ao mesmo tempo, é feita uma análise da situação: «… many young graduates have little alternative but to live with their parents, surviving, if they can find a job, in low-paid “work experience” placements or on temporary contracts. Temporary contracts are more common than permanent ones in Portugal, says the European Commission.».
Perante esta situação, temos falta de produtividade, uma taxa de desemprego asfixiante, uma austeridade imposta para suportar, não a melhoria das condições de vida de uma população, mas os devaneios financeiros de uma elite política que, entre outras coisas, celebrou contratos de parcerias público-privadas, em que o sector público ficou sempre a perder (quem o diz é Carlos Moreno). Os juros a serem pagos este ano atingem os 7 mil milhões de euros (para se ter uma ideia, o orçamento do Ministério da Saúde ronda os 8 mil e 500 milhões de euros). Qual é a conclusão? Mais cortes, com o (talvez) PEC 4, cujas medidas já foram anunciadas. Os pensionistas sofrerão um corte entre 5% e 10% nas suas pensões, se estas forem superiores a 1500 euros brutos e, quiçá, abrir-se-á a porta a despedimentos mais fáceis. Desta forma, a vida de um jovem pode tornar-se numa espiral de problemas: primeiro será difícil encontrar um emprego (mais ainda um emprego na sua área de especialização). Encontrando o dito, o salário, a existir (ter em conta que existem os estágios não remunerados… daí o “escravo” dos Deolinda), será diminuto e, no final do contrato, procura-se outro emprego… Encontrar-se-á? A solução para muitos é a emigração. Repare-se que o fenómeno actual é diferente do vivido há 4 décadas. É certo que agora, tal como antes, se parte em busca de uma vida melhor, mas agora, ao contrário de antes, as pessoas que partem são pessoas qualificadas que poderiam ajudar o seu país a desenvolver-se mais. Há quem acuse alguns destes cérebros de “falta de patriotismo”. Não poderia haver classificação mais inapropriada. Não são os jovens que têm falta de patriotismo, é o país que, embora lhes dê oportunidades de estudo e de qualificação, não lhes oferece possibilidade de inserção no mercado de trabalho.
Neste contexto, temos um Primeiro-Ministro que tem o descaramento de dizer que percebe os jovens. Como é que os pode compreender? O que eu menos aprecio na classe política actual é que os nossos representantes e governantes são “políticos de carreira”. Como é possível que nos representem bem, se não passam pelas mesmas dificuldades? Sócrates, desde que concluiu os estudos (e até antes de os ter concluído) que está presente na vida política. Note-se que eu não critico quem cedo se consciencializa com estes problemas. Todos nós o deveríamos fazer. Simplesmente penso que não é correcto fazer-se de tal prática uma carreira (aqui sim, deveria haver “contratos de trabalho a termo”). A política, quando praticada como profissão, deve ser temporária, caso contrário, haverá necessidade de encontrar lugares para serem preenchidos. Sócrates não pode, por isso, compreender as angústias dos jovens. Mas repare-se que nem será tanto esta sua expressão que me deixa atónito, mas o que se segue. Diz o senhor o seguinte: «Sou o primeiro a reconhecer isso [manifestações e descontentamento dos jovens]: o acesso dos jovens ao mercado de trabalho não é aquilo que nós desejaríamos. Mas isso faz-se actuando e defendendo o nosso país, e foi isso que nos fizemos aqui esta noite [na reunião em Bruxelas].». Portanto, defender-se-ão os jovens com mais austeridade? Tentemos perceber quais foram as medidas que o Executivo tem tomado para defender esta geração, tendo em conta os seus anseios. «José Sócrates nomeou ainda várias medidas para uma “política moderna” e de “defesa dos jovens”, que foram tomadas ao longo de seis anos, desde que é primeiro-ministro, tais como “a lei mais justa na interrupção voluntária da gravidez”, “a lei da paridade, para que mais mulheres tenham acesso à vida política”, a “iniciativa legislativa no campo do divórcio litigioso” ou “a lei que permite em Portugal o casamento entre pessoas do mesmo sexo” e afirmou que “é assim que se constrói uma política para o futuro”» [TVI 24]. Conclusão: Jovens desempregados? Fomenta-se a morte da vida intra-uterina, para evitar que haja desempregados no futuro. Ou seja, há um desnorte total do que são as prioridades, do que deve e do que não deve ser feito, do que são políticas a pensar nas pessoas e o que são medidas casuísticas e desproporcionadas. Não é possível haver confiança nestas situações. As pessoas não sabem com que podem contar com o Governo. Em campanha, Sócrates afirmava que os benefícios sociais não eram para ser retirados, porque não podia ser a classe média a pagar a crise, dizia que não a uma revisão do código do trabalho, afirmava solenemente que não haveria aumento de impostos. O que fez está hoje à frente dos nossos olhos. É impossível haver confiança nestas situações. Quem nos devia guiar, engana-nos todos os dias. Infelizmente, já nem é preciso procurar contradições que se reportem ao ano 2009. O que hoje é dito, pode ser desmentido daqui a 15 dias, se tanto. Não nos garantiu o 1.º Ministro que tivemos uma excelente execução orçamental? Porquê, então, mais medidas?
Não, Sócrates não pode compreender os jovens. O que eu vejo hoje, com tristeza, é que um pacto entre os eleitores e os eleitos está sistematicamente a ser violado. E não é pelos eleitores.
A crise é um desafio, sem dúvida. Teremos oportunidade de a ultrapassar? Só através da confiança e verdade que as instituições devem espelhar.
Nota: Já está disponível o documentário "2010: O ano em que chegou a fatura", a que me referi no post anterior.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

As mudanças que se exigem num Estado orçamentalmente indisciplinado

Imagem retirada deste vídeo

Em 2002, Durão Barroso tornou-se Primeiro-Ministro de Portugal. Uma das promessas eleitorais, talvez a mais importante, foi quebrada: ao invés de se proceder a uma diminuição da carga fiscal, optou-se por aumentar a receita, vinda de impostos, para os cofres do Estado. Três anos mais tarde, volta a ser quebrada uma promessa da mesma índole. Sócrates referira em campanha que na crise que o país vivera (palavra que, invariavelmente, há muito entrara no vocabulário dos portugueses e teimava e teima em não sair) não seria possível diminuir impostos (como propunha Santana Lopes), mas comprometia-se a não os aumentar. É interessante, neste ponto, analisar a perspectiva de Aníbal Almeida ao considerar o Estado como um “animal político”. Os diversos partidos, particularmente os 2 grandes partidos (tomemos como exemplo o caso português: PSD e PS) lutam constantemente para chegar ao poder. Esta luta não é tão flagrante, como na 1.ª República, em que os deputados incluíam diariamente na sua indumentária uma arma, antes de se dirigirem para a frente de batalha que era o Parlamento. Todavia, é uma luta em que, pior do que as falácias ad hominem que teimam em marcar presença, se verificam constantes movimentações de bastidores, que têm como implicações a discussão de tudo, desde a vida privada, até à suposição do “diz que disse”, ao invés da entrega (diria genuína, contudo entendo que, ainda que o cenário que pinto fosse distinto, a entrega dificilmente seria genuína) ao serviço público. Não, o que impera é a conquista do poder, pelo poder. Mente-se em campanha eleitoral, engana-se durante a governação, maquilham-se os números, de modo a engrandecer um arbusto que à menor brisa sucumbirá. A responsabilidade é, em parte, dos eleitores que se permitem enganar, que se permitem imobilizar… Não me vou deter mais neste assunto, de modo a não tornar o texto monótono e extenso. Digo apenas que tenho pena que se tenha perdido uma oportunidade em 2009 de fazer uma política diferente, uma política que em que o eventual pacto governantes-governados fosse baseado na verdade (quem me conhece sabe a admiração que eu tenho por Manuela Ferreira Leite). Ao fim e ao cabo, a mentira compensa: mente-se, acede-se ao poder, ignoram-se as promessas e governa-se, ao sabor da maré e de outro tipo de interesses.
No início de 2011, concretamente no dia 2 de Janeiro, a RTP exibiu um documentário bastante esclarecedor (documentário que, infelizmente, não acompanhei de início e que a RTP não terá disponibilizado no seu sítio): “2010: o ano em que chegou a fatura”. É de uma pessoa ficar assustada, mas ciente da situação que vivemos.
Hoje, fruto dos défices orçamentais, que denunciam o endividamento continuado de Portugal, há quem repense o chamado “Estado Social” e há quem (voltamos nós ao “animal político”) diga que outros dirigentes têm planos maquiavélicos, qual bruxa má, de acabar com o dito. A meu ver, temos de ser mais exigentes. Jean Baptist Say dizia que os impostos eram um triplo mal, porque custavam à Sociedade o seu valor, o valor da sua cobrança e o valor que a Sociedade deixava de poder criar (por via do investimento, por exemplo). É uma tese liberal que não subscrevo. A colheita de impostos pode ser importante para desenvolver um país, pelo crescimento económico e pela protecção do ambiente e para fomentar uma justa repartição dos rendimentos (basta observar que são os países com uma classe média sólida que se encontram mais desenvolvidos). Porém, há que ter em conta que há certos limites para a alimentação da máquina do Estado que está doente e em obesidade crescente. Quando se verifica que para uma família média (2 adultos e 2 crianças) manter em 2011 o nível de vida que teve em 2010 vai ter de gastar mais 900 euros por ano (somando gastos de energia, gás, água, electricidade, combustível, alimentação, vestuário, calçado, etc.) e, como se não bastasse, vê o seu rendimento disponível descer, devido ao aumento dos impostos (medidas supostamente transitórias que se agravam e duram já desde 2003) e à diminuição das prestações sociais e do salário, percebemos que a austeridade acabará por resultar, tendencialmente, em instabilidade ao nível social, ao aumento do fosso entre ricos e pobres e numa recessão (particularmente devido a este último ponto os nossos credores estão deveras preocupados). Como se não bastasse, o endividamento acelera como nunca, pois as taxas de juro de hoje já não são as dos anos 90 e uma vitória por não se ter ultrapassado a barreira psicológica dos 7% no leilão desta semana parece que de pouco valerá. De facto, hoje não falamos em equilíbrio intergeracional. Dizemos que o Estado vive acima do que pode e faz com que os portugueses quase viver não possam. Trabalhamos mais de meio ano para o Estado. Em 2009, atingimos um ratio dívida pública/PIB superior a 75% (cf. MORENO, Carlos, “Como o Estado gasta o nosso dinheiro”, 1.ª Edição, Alfragide, Caderno, 2010, p.40). Perante este cenário, não vale a pena festejarmos. Ainda temos violinistas, mas o Titanic está a fundar-se. Por enquanto, emprestam-nos dinheiro, mas temos de pagar quase 7% de juros. É porque temos uma realidade orçamental triste que há quem advogue mudanças nas prestações sociais que, de resto, já têm vindo a ser implementadas, no Serviço Nacional de Saúde, etc. Há quem entenda que as prestações sociais são “subsídios à preguiça”. Parece-me que qualquer generalização, além de inadequada é injusta e populista. Como é evidente, para os desempregados que vão pedir os “carimbos” para continuarem a receber o subsídio, a questão poder-se-á colocar, no entanto, para pessoas que ao longo da última década foram perdendo os seus postos de trabalho em fábricas que encerravam umas atrás das outras e que, ainda assim, buscavam um trabalho (e não meramente um emprego), não será aceitável sequer sussurrar essa posição. A questão também não se poderá colocar apenas de acordo com o volume de dinheiro aforrado no banco (como também se exige actualmente), pois se se contabilizar apenas essa quantia, haverá outros factores que merecem análise e que ficam excluídos. Vejamos: se 2 indivíduos, hipoteticamente, tiverem o mesmo rendimento durante 10 anos e um aforrar bastante, investindo em depósitos a prazo e o outro gastar compulsivamente, verificaremos que, de acordo com as regras o primeiro, porque tem mais de 100 mil euros aforrados (devido à sua parcimónia), não beneficiará de um apoio, enquanto que o segundo continuará a receber o seu.
Ao mesmo tempo, surgem questões (que por agora não desenvolverei) que se prendem com a meritocracia, ou a falta dela, existente e difundida pelo Estado.
Perante o exposto, surge uma dúvida, como pode o Estado diminuir o seu peso (sendo certo que é premente que o faça, dado que nem os cidadãos podem viver sufocados com uma carga fiscal insustentável, nem pode o Estado emitir dívida pública ad eternum), sem colocar em causa a justa repartição dos rendimentos e o crescimento económico?
Sou um leigo, na matéria, confesso as minhas insuficiências, no entanto, entendo que a máquina só pode funcionar melhor e mais eficientemente se se proceder a uma reforma. Antes de mais, uma reforma estrutural na Administração Pública, com uma avaliação ponderosa dos serviços a extinguir, de entre Institutos Públicos, Fundações Públicas, Empresas Municipais, etc.
No entanto, algo que é absolutamente necessário é, como sugere Carlos Moreno, a reavaliação das parcerias público-privadas (PPP). É imoral dizer, por exemplo, que as SCUTS devem ser pagas por quem nelas circula. Como sustenta Carlos Moreno, as SCUTS são pagas 3 vezes por quem nelas circula e 2 pelos restantes cidadãos: são pagas pelos impostos, através dos combustíveis (há uma percentagem que é consignada para o plano rodoviário nacional) e, por fim, pelas portagens. Repare-se, no entanto, que toda esta receita não chega para pagar as PPP do sector rodoviário. Este Estado “Social” está paulatinamente a deixar de o ser para alguns, em detrimento de outros, detentores dos grandes grupos económicos. São vários os casos conhecidos em que o serviço público dá origem a um serviço próprio, com recursos públicos (o contrato do cais de Alcantara, mais recentemente que felizmente não se concretizou). É precisamente esta demagogia que me constrange: deve haver mudanças na estrutura do Estado e no modo como este lança obras, remetendo o pagamento para o futuro (isto não é equilíbrio intergeracional; é o pai levar fiado e dizer que o filho paga a conta), ao invés de se atacar com maior acutilância o que verdadeiramente é de todos, como a Saúde, ou a Educação. Repare-se: entendo que deve haver mudanças nestes sectores, tal como no das prestações sociais (como, de resto, já referi), todavia penso que as mudanças têm de ser pensadas a longo prazo, de acordo com critérios de justiça social e não de acordo com critérios puramente económicos, de redução do défice orçamental, à custa de austeridade para uns e pagamento de “compensações” a outros que encontram uma mina de ouro, ao negociarem com o Estado, em regime de PPP.
Em suma, o Estado tem de emagrecer (o Titanic tem barcos salva-vidas para todos que não devem navegar com metade da sua capacidade), os cidadãos têm de ser mais conscientes, para domar o “animal político”, para que a próxima década que agora se inicia não seja “perdida” (como alguns especialistas apelidaram a década 2000-2010) e se procedam a mudanças estruturais e pensadas. Afinal, é por isso que elegemos os decisores políticos!
Por fim, quanto à dívida, é fundamental reduzi-la, por disciplina orçamental (para que não tenhamos de gastar mais de 5 mil milhões de euros por ano só de juros) e para nos tornarmos verdadeiramente “soberanos” (a dívida retira-nos a soberania e não é soberana, como entende o Primeiro-Ministro), podendo tomar decisões, sem preocupações de ferir susceptibilidades de interesses económicos.
Actualização 12/03/2011: Já está disponível no sítio da RTP a reportagem "2010: o ano em que chegou a fatura".