quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

As mudanças que se exigem num Estado orçamentalmente indisciplinado

Imagem retirada deste vídeo

Em 2002, Durão Barroso tornou-se Primeiro-Ministro de Portugal. Uma das promessas eleitorais, talvez a mais importante, foi quebrada: ao invés de se proceder a uma diminuição da carga fiscal, optou-se por aumentar a receita, vinda de impostos, para os cofres do Estado. Três anos mais tarde, volta a ser quebrada uma promessa da mesma índole. Sócrates referira em campanha que na crise que o país vivera (palavra que, invariavelmente, há muito entrara no vocabulário dos portugueses e teimava e teima em não sair) não seria possível diminuir impostos (como propunha Santana Lopes), mas comprometia-se a não os aumentar. É interessante, neste ponto, analisar a perspectiva de Aníbal Almeida ao considerar o Estado como um “animal político”. Os diversos partidos, particularmente os 2 grandes partidos (tomemos como exemplo o caso português: PSD e PS) lutam constantemente para chegar ao poder. Esta luta não é tão flagrante, como na 1.ª República, em que os deputados incluíam diariamente na sua indumentária uma arma, antes de se dirigirem para a frente de batalha que era o Parlamento. Todavia, é uma luta em que, pior do que as falácias ad hominem que teimam em marcar presença, se verificam constantes movimentações de bastidores, que têm como implicações a discussão de tudo, desde a vida privada, até à suposição do “diz que disse”, ao invés da entrega (diria genuína, contudo entendo que, ainda que o cenário que pinto fosse distinto, a entrega dificilmente seria genuína) ao serviço público. Não, o que impera é a conquista do poder, pelo poder. Mente-se em campanha eleitoral, engana-se durante a governação, maquilham-se os números, de modo a engrandecer um arbusto que à menor brisa sucumbirá. A responsabilidade é, em parte, dos eleitores que se permitem enganar, que se permitem imobilizar… Não me vou deter mais neste assunto, de modo a não tornar o texto monótono e extenso. Digo apenas que tenho pena que se tenha perdido uma oportunidade em 2009 de fazer uma política diferente, uma política que em que o eventual pacto governantes-governados fosse baseado na verdade (quem me conhece sabe a admiração que eu tenho por Manuela Ferreira Leite). Ao fim e ao cabo, a mentira compensa: mente-se, acede-se ao poder, ignoram-se as promessas e governa-se, ao sabor da maré e de outro tipo de interesses.
No início de 2011, concretamente no dia 2 de Janeiro, a RTP exibiu um documentário bastante esclarecedor (documentário que, infelizmente, não acompanhei de início e que a RTP não terá disponibilizado no seu sítio): “2010: o ano em que chegou a fatura”. É de uma pessoa ficar assustada, mas ciente da situação que vivemos.
Hoje, fruto dos défices orçamentais, que denunciam o endividamento continuado de Portugal, há quem repense o chamado “Estado Social” e há quem (voltamos nós ao “animal político”) diga que outros dirigentes têm planos maquiavélicos, qual bruxa má, de acabar com o dito. A meu ver, temos de ser mais exigentes. Jean Baptist Say dizia que os impostos eram um triplo mal, porque custavam à Sociedade o seu valor, o valor da sua cobrança e o valor que a Sociedade deixava de poder criar (por via do investimento, por exemplo). É uma tese liberal que não subscrevo. A colheita de impostos pode ser importante para desenvolver um país, pelo crescimento económico e pela protecção do ambiente e para fomentar uma justa repartição dos rendimentos (basta observar que são os países com uma classe média sólida que se encontram mais desenvolvidos). Porém, há que ter em conta que há certos limites para a alimentação da máquina do Estado que está doente e em obesidade crescente. Quando se verifica que para uma família média (2 adultos e 2 crianças) manter em 2011 o nível de vida que teve em 2010 vai ter de gastar mais 900 euros por ano (somando gastos de energia, gás, água, electricidade, combustível, alimentação, vestuário, calçado, etc.) e, como se não bastasse, vê o seu rendimento disponível descer, devido ao aumento dos impostos (medidas supostamente transitórias que se agravam e duram já desde 2003) e à diminuição das prestações sociais e do salário, percebemos que a austeridade acabará por resultar, tendencialmente, em instabilidade ao nível social, ao aumento do fosso entre ricos e pobres e numa recessão (particularmente devido a este último ponto os nossos credores estão deveras preocupados). Como se não bastasse, o endividamento acelera como nunca, pois as taxas de juro de hoje já não são as dos anos 90 e uma vitória por não se ter ultrapassado a barreira psicológica dos 7% no leilão desta semana parece que de pouco valerá. De facto, hoje não falamos em equilíbrio intergeracional. Dizemos que o Estado vive acima do que pode e faz com que os portugueses quase viver não possam. Trabalhamos mais de meio ano para o Estado. Em 2009, atingimos um ratio dívida pública/PIB superior a 75% (cf. MORENO, Carlos, “Como o Estado gasta o nosso dinheiro”, 1.ª Edição, Alfragide, Caderno, 2010, p.40). Perante este cenário, não vale a pena festejarmos. Ainda temos violinistas, mas o Titanic está a fundar-se. Por enquanto, emprestam-nos dinheiro, mas temos de pagar quase 7% de juros. É porque temos uma realidade orçamental triste que há quem advogue mudanças nas prestações sociais que, de resto, já têm vindo a ser implementadas, no Serviço Nacional de Saúde, etc. Há quem entenda que as prestações sociais são “subsídios à preguiça”. Parece-me que qualquer generalização, além de inadequada é injusta e populista. Como é evidente, para os desempregados que vão pedir os “carimbos” para continuarem a receber o subsídio, a questão poder-se-á colocar, no entanto, para pessoas que ao longo da última década foram perdendo os seus postos de trabalho em fábricas que encerravam umas atrás das outras e que, ainda assim, buscavam um trabalho (e não meramente um emprego), não será aceitável sequer sussurrar essa posição. A questão também não se poderá colocar apenas de acordo com o volume de dinheiro aforrado no banco (como também se exige actualmente), pois se se contabilizar apenas essa quantia, haverá outros factores que merecem análise e que ficam excluídos. Vejamos: se 2 indivíduos, hipoteticamente, tiverem o mesmo rendimento durante 10 anos e um aforrar bastante, investindo em depósitos a prazo e o outro gastar compulsivamente, verificaremos que, de acordo com as regras o primeiro, porque tem mais de 100 mil euros aforrados (devido à sua parcimónia), não beneficiará de um apoio, enquanto que o segundo continuará a receber o seu.
Ao mesmo tempo, surgem questões (que por agora não desenvolverei) que se prendem com a meritocracia, ou a falta dela, existente e difundida pelo Estado.
Perante o exposto, surge uma dúvida, como pode o Estado diminuir o seu peso (sendo certo que é premente que o faça, dado que nem os cidadãos podem viver sufocados com uma carga fiscal insustentável, nem pode o Estado emitir dívida pública ad eternum), sem colocar em causa a justa repartição dos rendimentos e o crescimento económico?
Sou um leigo, na matéria, confesso as minhas insuficiências, no entanto, entendo que a máquina só pode funcionar melhor e mais eficientemente se se proceder a uma reforma. Antes de mais, uma reforma estrutural na Administração Pública, com uma avaliação ponderosa dos serviços a extinguir, de entre Institutos Públicos, Fundações Públicas, Empresas Municipais, etc.
No entanto, algo que é absolutamente necessário é, como sugere Carlos Moreno, a reavaliação das parcerias público-privadas (PPP). É imoral dizer, por exemplo, que as SCUTS devem ser pagas por quem nelas circula. Como sustenta Carlos Moreno, as SCUTS são pagas 3 vezes por quem nelas circula e 2 pelos restantes cidadãos: são pagas pelos impostos, através dos combustíveis (há uma percentagem que é consignada para o plano rodoviário nacional) e, por fim, pelas portagens. Repare-se, no entanto, que toda esta receita não chega para pagar as PPP do sector rodoviário. Este Estado “Social” está paulatinamente a deixar de o ser para alguns, em detrimento de outros, detentores dos grandes grupos económicos. São vários os casos conhecidos em que o serviço público dá origem a um serviço próprio, com recursos públicos (o contrato do cais de Alcantara, mais recentemente que felizmente não se concretizou). É precisamente esta demagogia que me constrange: deve haver mudanças na estrutura do Estado e no modo como este lança obras, remetendo o pagamento para o futuro (isto não é equilíbrio intergeracional; é o pai levar fiado e dizer que o filho paga a conta), ao invés de se atacar com maior acutilância o que verdadeiramente é de todos, como a Saúde, ou a Educação. Repare-se: entendo que deve haver mudanças nestes sectores, tal como no das prestações sociais (como, de resto, já referi), todavia penso que as mudanças têm de ser pensadas a longo prazo, de acordo com critérios de justiça social e não de acordo com critérios puramente económicos, de redução do défice orçamental, à custa de austeridade para uns e pagamento de “compensações” a outros que encontram uma mina de ouro, ao negociarem com o Estado, em regime de PPP.
Em suma, o Estado tem de emagrecer (o Titanic tem barcos salva-vidas para todos que não devem navegar com metade da sua capacidade), os cidadãos têm de ser mais conscientes, para domar o “animal político”, para que a próxima década que agora se inicia não seja “perdida” (como alguns especialistas apelidaram a década 2000-2010) e se procedam a mudanças estruturais e pensadas. Afinal, é por isso que elegemos os decisores políticos!
Por fim, quanto à dívida, é fundamental reduzi-la, por disciplina orçamental (para que não tenhamos de gastar mais de 5 mil milhões de euros por ano só de juros) e para nos tornarmos verdadeiramente “soberanos” (a dívida retira-nos a soberania e não é soberana, como entende o Primeiro-Ministro), podendo tomar decisões, sem preocupações de ferir susceptibilidades de interesses económicos.
Actualização 12/03/2011: Já está disponível no sítio da RTP a reportagem "2010: o ano em que chegou a fatura".