sexta-feira, 25 de março de 2011

Contrastes Representantes/Representados

Numa altura decisiva para Portugal os protagonistas políticos não estão à altura e demonstraram 4.ª feira que o que os move não é, certamente, o interesse nacional.



O meu objectivo com o post anterior era salientar a importância que a confiança tinha nas pessoas (de facto, não são apenas os mercados que exigem confiança, mas as pessoas precisam ainda mais dela). Num momento de crise grave, por que Portugal atravessa, verificamos que os políticos não estão à altura. As pessoas não olham actualmente para nenhuma instituição da vida política com confiança. Há muito que o Executivo perdera confiança com várias contradições. No dia de ontem houve mais uma: Bruxelas tem dúvidas acerca do valor real do défice português de 2010 (sendo certo, porém, que o défice real, contabilizado com todas as empresas participadas do Estado, é muito superior a 8%, valor que Bruxelas pensa que terá sido o nosso défice no ano passado). Além do Executivo, também a Assembleia da República não é respeitada por aqueles que deviam ser nossos representantes e se aproveitam dos lugares que ocupam, não para defender o interesse nacional, mas para fazer um triste espectáculo de campo de batalha. Contrariamente, a Presidência da República parece mostrar algum alento nos portugueses, muito embora o seu poder, embora decisivo nalgumas situações, não seja perceptível noutras. Confiança. É este o predicado que os representados exigem aos seus representantes e a quem os governa. Um “contrato social” tem de pressupor que a verdade é dita e que as pessoas, conhecedoras das propostas, avaliá-las-ão, tendo em vista o melhor para o interesse nacional (a tal vontade de todos, que era racionalizada, de acordo com Rousseau). O Parlamento seria, assim, a Casa da Democracia, “um pequeno mapa, que representava a Nação”. Infelizmente não é desta forma idílica que hoje encaramos o Parlamento e o dia de 4.ª feira foi mais um em que pudemos comprovar que os partidos políticos não estão, efectivamente, comprometidos exaustivamente com Portugal. Desde o dia 27 de Setembro de 2009 que os partidos estão interessados em novas eleições. Primeiro houve conflitos internos dentro do maior partido da oposição e, de acordo em acordo, uma coisa era certa: alguém ia pisar o pé a alguém, ou alguém fingiria ser pisado durante a dança do tango. É com muito desagrado que vejo que, uma vez mais, os nossos dirigentes não se mostram capazes de nos liderar. Se me perguntassem se nutria simpatia ou, mais importante, se considerava que o nosso Primeiro-Ministro era uma pessoa capaz, eu responderia negativamente, no entanto, discordo em absoluto com o que aconteceu na Assembleia da República. Reforçava eu que nós estamos a passar por várias crises, há muito tempo, que há muito tempo que todos estão distraídos a jogar jogos de poder, contudo seria altura de ultrapassarmos uma fase difícil. Como? Através da união e confiança. Não foi isso que aconteceu. Sócrates negociou um (novo) plano de austeridade (o que, mais uma vez reforça que não havia um plano a longo prazo para o país) com a Comissão e com a Chanceler Alemã, sem fazer esforços de negociação cá dentro. Os partidos da oposição aproveitaram a deixa e votaram no Parlamento o fim deste novo PEC. Todavia, este não é verdadeiramente “um adeus, mas antes um até já”, porque, sejamos sinceros, todos já percebemos que não há coragem política de nenhum partido do arco da governação de fazer reformas estruturais importantes, acabando com situações de privilégios injustificados. Falo, entre outras coisas, das celebérrimas parcerias público-privadas. Desta forma, a única solução é atacar os anónimos, aqueles cujos gritos se podem ouvir na rua, em manifestações algumas vezes no ano, mas que (e que estranho que é!) raramente fazem cair um Governo (embora quando o fazem essa queda marque o fim de um ciclo ou Regime), ao contrário de outros tantos interesses escondidos (falo, evidentemente dos grupos de pressão) que influenciam decisivamente a actuação de um qualquer Governo, de modo que este, se atentar nos seus privilégios cai. Daí que o PEC 4 seja um “até já”. Não tenho dúvidas que haverá redução das pensões, despedimentos mais fáceis, com indemnizações mais baixas. Tenho dúvidas que desta forma se verifique um saneamento da crise. Pelo contrário será natural que o se dê um maior potenciamento. Infelizmente, vejo que não tenho políticos capazes de exercer responsavelmente as suas funções. Como salientava, o nosso Primeiro-Ministro não é competente, mas a verdade é que eleições, neste momento, não são a melhor solução, precisamente porque nada vai mudar no panorama nacional. Tenho noção que estou pessimista, mas não vejo no horizonte possibilidades que me animem. Não sei, se houver eleições (algo que não me agrada) quem as vencerá, mas não há dúvidas que o partido que as vencer não terá maioria absoluta. Ora, sendo os protagonistas os mesmos irresponsáveis dificilmente se entenderão. Tudo estaria muito bem, não fosse o país estar em jogo. A conclusão que consigo tirar é que estamos a seguir um caminho muito perigoso. A irresponsabilidade, a prazo, tem custos muito elevados. Verifico, hoje, que temos um Primeiro-Ministro que potenciou uma demissão e um Parlamento que aproveitou a deixa. Questão: Sendo os protagonistas os mesmos, como é possível gerar-se confiança nas pessoas? Como é possível unirem-se para ultrapassarem a crise? O meu desejo era que, verdadeiramente, o interesse nacional imperasse e os actos de amor à Democracia não se ficassem pelas palavras. Essas também a 1.ª República as tinha.

Nota final:
Hoje a SIC entrevistou pessoas pelo país, de modo a tentar aferir acerca da sua percepção sobre estes acontecimentos. A maior parte das pessoas referiu precisamente um descrédito total, havendo, inclusivamente, quem pedisse já a intervenção de um Salazar. É, definitivamente, caso para os políticos porem as mãos na consciência.





sábado, 12 de março de 2011

Sócrates não pode compreender o que diz compreender

«Confiança s.f. (…) 2 segurança de alguém que crê em alguém ou alguma coisa; certeza; 3 crédito; 4 ânimo …» (de acordo com o "Dicionário da Língua Portuguesa 2004", da Porto Editora)



Se há palavra cujo significado conhecemos bem é “crise”. É certo que para os chineses, crise é sinónimo de desafio e oportunidade, contudo a conclusão a que eu chego é que não temos tido, na última década, políticos capazes de ultrapassarem desafios e criarem novas oportunidades. Por outras palavras, não temos pessoas a quem reconheçamos crédito, ou confiança. A crise está a afundar-nos, com um crescimento económico diminuto e uma quebra clara do bem-estar da população e da sua qualidade de vida. Não me refiro unicamente ao SNS, ao sistema de ensino, ou às condições laborais, embora hoje me debruce mais sobre os protestos da “Geração à Rasca”.
O Financial Times de hoje publicou uma reportagem sobre os protestos que o nosso país atravessa, fruto do descontentamento que se está a gerar. São referidas as canções (que alguns apelidam de “hinos de uma geração”) “Que Parva que Sou” e “A Luta é Alegria”. O artigo retrata a situação actualmente vivida, com o desemprego acentuado (entre os recém-licenciados e mestres, até aos 24 anos, a taxa é de 30%), a falta de expectativas, a falta de confiança. Há um anónimo que refere «My generation have bought their houses and their cars, but our comfort is depriving young people of their future.». Ao mesmo tempo, é feita uma análise da situação: «… many young graduates have little alternative but to live with their parents, surviving, if they can find a job, in low-paid “work experience” placements or on temporary contracts. Temporary contracts are more common than permanent ones in Portugal, says the European Commission.».
Perante esta situação, temos falta de produtividade, uma taxa de desemprego asfixiante, uma austeridade imposta para suportar, não a melhoria das condições de vida de uma população, mas os devaneios financeiros de uma elite política que, entre outras coisas, celebrou contratos de parcerias público-privadas, em que o sector público ficou sempre a perder (quem o diz é Carlos Moreno). Os juros a serem pagos este ano atingem os 7 mil milhões de euros (para se ter uma ideia, o orçamento do Ministério da Saúde ronda os 8 mil e 500 milhões de euros). Qual é a conclusão? Mais cortes, com o (talvez) PEC 4, cujas medidas já foram anunciadas. Os pensionistas sofrerão um corte entre 5% e 10% nas suas pensões, se estas forem superiores a 1500 euros brutos e, quiçá, abrir-se-á a porta a despedimentos mais fáceis. Desta forma, a vida de um jovem pode tornar-se numa espiral de problemas: primeiro será difícil encontrar um emprego (mais ainda um emprego na sua área de especialização). Encontrando o dito, o salário, a existir (ter em conta que existem os estágios não remunerados… daí o “escravo” dos Deolinda), será diminuto e, no final do contrato, procura-se outro emprego… Encontrar-se-á? A solução para muitos é a emigração. Repare-se que o fenómeno actual é diferente do vivido há 4 décadas. É certo que agora, tal como antes, se parte em busca de uma vida melhor, mas agora, ao contrário de antes, as pessoas que partem são pessoas qualificadas que poderiam ajudar o seu país a desenvolver-se mais. Há quem acuse alguns destes cérebros de “falta de patriotismo”. Não poderia haver classificação mais inapropriada. Não são os jovens que têm falta de patriotismo, é o país que, embora lhes dê oportunidades de estudo e de qualificação, não lhes oferece possibilidade de inserção no mercado de trabalho.
Neste contexto, temos um Primeiro-Ministro que tem o descaramento de dizer que percebe os jovens. Como é que os pode compreender? O que eu menos aprecio na classe política actual é que os nossos representantes e governantes são “políticos de carreira”. Como é possível que nos representem bem, se não passam pelas mesmas dificuldades? Sócrates, desde que concluiu os estudos (e até antes de os ter concluído) que está presente na vida política. Note-se que eu não critico quem cedo se consciencializa com estes problemas. Todos nós o deveríamos fazer. Simplesmente penso que não é correcto fazer-se de tal prática uma carreira (aqui sim, deveria haver “contratos de trabalho a termo”). A política, quando praticada como profissão, deve ser temporária, caso contrário, haverá necessidade de encontrar lugares para serem preenchidos. Sócrates não pode, por isso, compreender as angústias dos jovens. Mas repare-se que nem será tanto esta sua expressão que me deixa atónito, mas o que se segue. Diz o senhor o seguinte: «Sou o primeiro a reconhecer isso [manifestações e descontentamento dos jovens]: o acesso dos jovens ao mercado de trabalho não é aquilo que nós desejaríamos. Mas isso faz-se actuando e defendendo o nosso país, e foi isso que nos fizemos aqui esta noite [na reunião em Bruxelas].». Portanto, defender-se-ão os jovens com mais austeridade? Tentemos perceber quais foram as medidas que o Executivo tem tomado para defender esta geração, tendo em conta os seus anseios. «José Sócrates nomeou ainda várias medidas para uma “política moderna” e de “defesa dos jovens”, que foram tomadas ao longo de seis anos, desde que é primeiro-ministro, tais como “a lei mais justa na interrupção voluntária da gravidez”, “a lei da paridade, para que mais mulheres tenham acesso à vida política”, a “iniciativa legislativa no campo do divórcio litigioso” ou “a lei que permite em Portugal o casamento entre pessoas do mesmo sexo” e afirmou que “é assim que se constrói uma política para o futuro”» [TVI 24]. Conclusão: Jovens desempregados? Fomenta-se a morte da vida intra-uterina, para evitar que haja desempregados no futuro. Ou seja, há um desnorte total do que são as prioridades, do que deve e do que não deve ser feito, do que são políticas a pensar nas pessoas e o que são medidas casuísticas e desproporcionadas. Não é possível haver confiança nestas situações. As pessoas não sabem com que podem contar com o Governo. Em campanha, Sócrates afirmava que os benefícios sociais não eram para ser retirados, porque não podia ser a classe média a pagar a crise, dizia que não a uma revisão do código do trabalho, afirmava solenemente que não haveria aumento de impostos. O que fez está hoje à frente dos nossos olhos. É impossível haver confiança nestas situações. Quem nos devia guiar, engana-nos todos os dias. Infelizmente, já nem é preciso procurar contradições que se reportem ao ano 2009. O que hoje é dito, pode ser desmentido daqui a 15 dias, se tanto. Não nos garantiu o 1.º Ministro que tivemos uma excelente execução orçamental? Porquê, então, mais medidas?
Não, Sócrates não pode compreender os jovens. O que eu vejo hoje, com tristeza, é que um pacto entre os eleitores e os eleitos está sistematicamente a ser violado. E não é pelos eleitores.
A crise é um desafio, sem dúvida. Teremos oportunidade de a ultrapassar? Só através da confiança e verdade que as instituições devem espelhar.
Nota: Já está disponível o documentário "2010: O ano em que chegou a fatura", a que me referi no post anterior.